"As pessoas intimidam-se face a recitais de percussão"
Cansado após mais uma sessão do workshop que por estes dias deu no São Luiz, perante uma pequena plateia de miúdos do 2.º ciclo, Pedro Carneiro afirma "é exigente e cansativo, mas é bom porque nos obriga a repensar e reformular aquilo que fazemos e como comunicamos". Até porque "apercebo- -me que muitas pessoas se sentem intimidadas perante instrumentos de percussão", razão pela qual "é importante falar com o público e fazer com que se sintam parte do concerto".
Carneiro é associado sobretudo à marimba, instrumento que toca "porque é mais prático, sinto-me confortável e exprimo-me facilmente através dela... e porque senti necessidade de ter contacto com um só instrumento e de ir ao fundo dele", numa procura forçosamente "solitária". A marimba, diz-nos, "só nos últimos 15 anos se tornou num instrumento solista, muito graças ao trabalho de divulgação de Keiko Abe e de Howard Leigh Stevens, que a tornaram acessível a mais gente". Não obstante, a marimba "é um instrumento com imensos problemas e talvez seja por isso que é tão apaixonante", imperfeições que levam Pedro Carneiro dizer que "é quase um instrumento de música antiga". Para este músico, o instrumento é secundário "se eu acordasse amanhã a tocar outro, era-me indiferente: do que eu gosto é de música!"
Pedro Carneiro concede que "até certa altura, pensei que só iria tocar música contemporânea, mas há uns anos que toco transcrições, inclusivé feitas por mim". São obras de Bach, Schumann e, mais recentemente, de Clementi, que "servem para me pôr em contacto com e sentir na carne um passado instrumental (de repertório) que não tive", mas também "porque começas a ver que os compositores actuais não surgiram do nada, que todos têm uma tradição".
Das obras cuja estreia se perfila no horizonte, está, mais próxima, Script, de Pedro Amaral, "que estrearei para o ano, no IRCAM (em Paris)" e, mais longínqua, "uma peça para percussão e orquestra do Peter Lieberson, que farei lá para 2009". Mas Pedro Carneiro é também compositor "estou a escrever uma peça para o ensemble sueco Kroumata, escrevi há pouco tempo uma peça para dança e tenho outra, encomendada pelo Rui Lopes Graça". A composição, para ele, "é uma coisa boa, porque te permite sabr por que fases passam os compositores, as escolhas, os dilemas, as crises que enfrentam e ultrapassam. Acabas por ver as coisas de outra forma e percebe-los melhor quando trabalhas com eles". De resto, trabalhar com os criadores "é muito giro, porque há uma imensidade de coisas que não se exprime na partitura", destas dizendo Carneiro serem "uma ilusão".
O disco Xenakis que gravou recentemente (ver perfil) "foi muito importante para mim, porque contactei com pessoas dum perfeccionismo e exigência consigo e com os outros que não conhecera antes". Fruto directo foi "ter percebido que, para um músico, ouvir é realmente o mais importante fazer um exercício diário de escuta e audição profundas", algo que considera "uma condição de auto-aperfeiçoamento", mesmo porque "a música é uma coisa artesanal, não podes produzir em série. O corpo humano não deixa, pelo menos o meu não!".
A electrónica em tempo real faz parte do seu dia-a-dia de intérprete e, deste processo diz Pedro Carneiro "Qualquer processo de composição pode ser fascinante se é feito de forma fascinante". Lapidar.